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Alimentação é (ou deveria ser) um ato político?

Foto do escritor: Capivara ReflexivaCapivara Reflexiva

Por Thiago da Silva Novato

Mestrando em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal, Universidade Federal de Juiz de Fora



“O Agro é Tech, o Agro é pop, o Agro é tudo”. Mas afinal, de que Agro estamos falando? Essa expressão cotidiana remete ao modelo econômico do Agronegócio, que é financiado pelo governo brasileiro com investimentos anuais bilionários. Amplamente divulgado pela mídia, esse marketing tem o objetivo de “aproximar” o consumidor com os produtores de alimento. E uma coisa é fato! Nós precisamos nos alimentar de forma SAUDÁVEL todos os dias e o Agronegócio parece não estar preocupado com isso. Para construirmos e dialogarmos sobre esse primeiro questionamento é necessário que voltemos juntos para quase 70 anos atrás. A Revolução Verde foi uma das primeiras políticas desenvolvidas para diminuir os índices de mortes por subnutrição e fome no mundo. Para tal, incentivou-se massivamente o aumento da produção agrícola mundial, através da: (i) modificação genética de sementes para maior produtividade e resistência à pragas; (ii) mecanização da produção; (iii) uso intensivo de produtos químicos como fertilizantes e pesticidas nas plantações.

Apesar de aparentemente considerar uma intenção humanitária, os resultados atuais das práticas desencadeadas pela Revolução Verde fizeram de tudo, menos acabar de fato com a fome mundial. Adicionado ao fato de que ainda temos 820 milhões de pessoas em fome extrema no planeta (ONU, 2019), o Agronegócio atualmente é responsável por 60% do desmatamento na Amazônia (INPE, 2019), com perdas inestimáveis na biodiversidade. As queimadas também são reflexo desse modelo de produção (9.000 focos só no mês de julho desse ano), principalmente para formação de pastagem destinada para a pecuária. Em termos de produção vegetal, o Agronegócio atualmente se volta para a produção de soja e milho para a geração de biocombustíveis e para alimentar o gado no exterior, mas não de fato para colocar comida na mesa dos brasileiros.

Do que é destinado para a alimentação da população, a quantidade de agrotóxicos usados para produção de grande escala é assustadora. Só no nosso país, 57 novos agrotóxicos foram liberados para uso em 2019, totalizando 382 diferentes tipos desses insumos tóxicos. Inúmeros estudos mostram que que grande parte desses agrotóxicos são propulsores de diferentes tipos de câncer, sobrepeso de recém-nascidos, intoxicações, disfunções hepáticas, renais e colesterol elevado. Os agrotóxicos não só envenenam os alimentos que consumimos como também contaminam os rios, outros animais, lençóis freáticos e põem em risco a integridade de todo o ecossistema, de todas as formas de vida.

“O Agro NÃO é pop”. As práticas do Agronegócio são uma questão social excludente na medida que exigem grandes concentrações de terra, que são distribuídas de forma desigual pelo país. Para se ter uma ideia, menos de 1% das propriedades agrícolas registradas ocupam quase metade de toda área agrícola no nosso país. Ou seja, temos pouquíssimas pessoas controlando a grande parte das terras cultiváveis do nosso país. Isso inevitavelmente proporciona também a concentração de renda, em que poucos desfrutam de valores monetários e lucros exorbitantes. Essa questão fundiária para o Agronegócio no nosso país é secular e é marcada por grandes movimentações ilegais de conquista pela terra, incluindo grilagem (Falsificação de escrituras e documentos), corrupção e lavagem de dinheiro. Ressaltamos também o genocídio indígena: só na Bahia 57 lideranças foram ameaçadas de morte e 17 brutalmente assassinadas no ano de 2019 por conflitos territoriais envolvendo o Agronegócio. Ao mesmo tempo, agricultores familiares e campesinos com pequenas propriedades não têm chance de competir com os grandes latifundiários, e acabam omissos e em condições miseráveis de trabalho no campo, o que muito reflete no êxodo rural.

Uma alternativa de modelo agrícola que vêm ganhando força no país e que questiona a forma de como estamos nos alimentando e do Agronegócio em si é a AGROECOLOGIA. Pensada e definida como um projeto de sociedade a partir de 1980, a Agroecologia defende uma transição na gestão e manutenção dos agroecossistemas, através da aplicação de princípios que defendem a sustentabilidade nos meios de produção. Ela leva em consideração principalmente o incentivo de produção em pequenas propriedades de gestão familiar. Agricultores familiares e campesinos de produção agroecológica são atualmente a principal forma de resistência contra o modelo hegemônico do Agronegócio, e defendem: (i) a diversificação alimentar, já que consumimos menos de 5% das plantas cultiváveis para consumo; (ii) o limite na exploração de recursos naturais; (iii) distribuição de terras e de renda igualitária para os agricultores; (iv) o não uso de agrotóxicos na produção dos alimentos.

A agroecologia também é uma ciência que orienta a adoção de tecnologias e práticas em sistemas de produção, procurando imitar os processos como ocorrem na natureza, evitando romper o equilíbrio ecológico que dá a estabilidade aos ecossistemas naturais. Uma série de estudos são direcionados para o controle sustentável de pragas agrícolas, com a formulação de biopesticidas de origem vegetal criadas e utilizadas pelo próprio conhecimento tradicional de agricultores nascidos e criados no campo. Isso é muito importante, pois além de fomentar a produção de alimentos de boa qualidade, livre de resíduos químicos, uma vez que não são utilizados fertilizantes sintéticos solúveis e agrotóxicos, também contribui com a segurança alimentar, e com a conservação e melhoria ambiental, por meio do uso responsável do solo, da água, do ar e dos demais recursos naturais.

Nós, como consumidores podemos reverter essa triste realidade quanto o Agronegócio. O primeiro grande passo é refletir sobre a origem das coisas que comemos. A modernidade tornou muito acessível a oferta de alimentos e pouco nos questionamos sobre todos os processos que tangem do plantio até o processamento e venda. Atualmente várias feiras ao ar livre são destinadas para o escoamento da produção de agricultores familiares e campesinos de produção agroecológica, para venda de seus produtos. O contato direto com os produtores é informativo, pois esses sujeitos conhecem os produtos que estão à venda que representam além de valores monetários, valores simbólicos e de justiça social. Ao comprarmos esses produtos estamos enriquecendo o empoderamento dessas pessoas e incentivando uma produção rica em biodiversidade e saúde. Como cidadãos, temos a responsabilidade de conhecer e apoiar políticas públicas que incentivem a Agricultura Familiar e a Agroecologia para ampliar cada vez mais essa nova forma de cadeia produtiva que realmente se importa com a distribuição igualitária de valores materiais e imateriais do povo brasileiro. Pop só se for a Agroecologia!! Procure saber como adquirir esses produtos!


Quer ainda mais por dentro do assunto? Confira os vídeos abaixo!

DOCUMENTÁRIO SUGERIDO: “O veneno está na mesa” https://www.youtube.com/watch?v=fyvoKljtvG4

VÍDEO SUGERIDO: Agroecologia - Práticas que mudam a vida.


Literatura complementar:

Caporal FR (2013) Em defesa de um Plano Nacional de Transição Agroecológica: compromisso com as atuais e nosso legado para as futuras gerações. In: Balestro MV, Sauer S (eds) Agroecologia e os desafios da Transição Agroecológica. 2 ed. Expressão popular, São Paulo, pp. 261-303.

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