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As lições de uma vaca

Foto do escritor: Capivara ReflexivaCapivara Reflexiva

De que forma o processo digestivo de animais ruminantes, como as vacas, pode ser útil para aprimorar a produção de combustíveis?


por Franciane Cedrola Vale, Doutora em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal


O rúmen, primeiro compartimento estomacal de animais ruminantes (Figura 1), é considerado um complexo ecossistema anaeróbico que abriga, ampla diversidade de microrganismos, como bactérias, fungos e protozoários, os quais, unidos, aprimoram o metabolismo digestivo de seus hospedeiros ao participar da digestão de celulose e outros carboidratos estruturais presentes na constituição das plantas. Como você deve saber, esses animais alimentam-se quase que exclusivamente de capim!

Figura 1. Sistema digestório dos ruminantes

Mas você deve estar se perguntando: o que isso tem a ver com a indústria de combustíveis, não é mesmo?

Bem, existem dois tipos básicos de combustíveis no mercado: os combustíveis fósseis, obtidos a partir de fontes orgânicas fósseis e os biocombustíveis, os quais são obtidos a partir de matéria orgânica fresca.

Os combustíveis fósseis são obtidos principalmente do petróleo, que é um composto orgânico originado por meio da decomposição especial de matéria orgânica, em um processo muito lento, que demora milhões de anos para se concretizar. Assim, os combustíveis fósseis são chamados, também, de combustíveis não renováveis, pois o processo de geração de sua matéria-prima, está muito além da escala de tempo de nossa sobrevivência. Logo, esses combustíveis são uma fonte esgotável de energia e deveriam, então, ser substituídos por fontes renováveis.

Os biocombustíveis, por sua vez, são oriundos da degradação de matéria vegetal fresca, que é degradada para obtenção de composto combustível. No Brasil, um dos biocombustíveis mais utilizados, é o bioetanol, produzido a partir de plantas como o milho, beterraba e cana-de-açúcar.

Na produção do bioetanol são realizados diversos processos químicos e físicos que possibilitam a degradação do material vegetal, com consequente liberação de etanol. No entanto, esses processos são difíceis, e representam o principal fator limitante do processo produtivo, justamente porque a degradação do material vegetal depende de condições especiais (como temperatura, salinidade, pH e osmolaridade adequados) e enzimas específicas, produzidas somente por alguns grupos restritos de organismos, tornando o processo, em muitos casos, caro e pouco eficiente, o que deixa o bioetanol em segundo plano, quando comparado a outros combustíveis, como os fósseis, por exemplo.

Assim, muitos pesquisadores buscam compreender como os animais que se alimentam de matéria vegetal, realizam a degradação de carboidratos estruturais para obtenção de energia. Um exemplo são as pesquisas com enfoque nos ruminantes, os quais são considerados por diversos especialistas, como detentores de um dos sistemas de degradação de carboidratos solúveis mais elegantes e eficientes da natureza. Portanto, o funcionamento do sistema digestório desses animais pode ser interpretado como um modelo a ser seguido pelas indústrias de biocombustíveis aprimorarem o processo produtivo.

Os estudiosos buscam compreender, então, quais são os processos envolvidos na digestão destes animais, e de que forma eles ocorrem, levando em consideração tanto questões simples, como as relacionadas à anatomia do trato gástrico do animal, bem como aquelas mais complexas acerca das funções metabólicas desempenhadas no rúmen. E aí, neste último caso, buscam compreender qual o perfil metabólico de cada grupo de microrganismo que habita o ambiente ruminal e como suas características metabólicas podem ser usadas durante o processo de produção de biocombustíveis. A reunião desses conhecimentos e a sua posterior aplicação permitem otimizar os processos de degradação da matéria vegetal nessas indústrias, reduzindo custos e aumentando a eficiência dos procedimentos.

É importante, então, valorizar as pesquisas do funcionamento do sistema digestório de animais ruminantes, pois os conhecimentos adquiridos nestes estudos serão extremamente úteis nas indústrias de biocombustíveis que serão, em um futuro próximo, muito importantes para suprir a escassez de combustíveis e outras fontes de energia não renováveis.

Fonte:

WEIMER, PJ; RUSSEL, JB; MUCK, RE 2009. Lessons from the cow: what the animal can teach us about consolidated bioprocessing of cellulosic biomass. Bioresour Technol. 100(21): 5323-5331.

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