por Prof. Marcus Vinicius Xavier Senra, Luísa Sebastianelli
Instituto de Recursos Naturais Renováveis, Universidade Federal de Itajubá, Itajubá, Minas Gerais
A escassez e o risco de racionamento não são os únicos problemas que parte dos brasileiros enfrenta e deve continuar enfrentando em relação à água. O crescimento das cidades e o consequente adensamento populacional, aliados ao saneamento precário e a novos hábitos de consumo, tem contribuído para lançar nos rios, lagos, depósitos subterrâneos e nos reservatórios destinados ao consumo, inúmeras substâncias, tais como fármacos (remédios), drogas ilícitas, cosméticos, inseticidas, herbicidas, antimicrobianos, produtos de higiene pessoal, nanomateriais (materiais que possuem graus estruturais na ordem de 10-9m ou um nanômetro, que é igual a um milionésimo de milímetro) e metais pesados, representando um grande risco para o meio ambiente e para a saúde humana. Muitas destas substâncias constituem o grupo dos contaminantes emergentes, compostos cujos efeitos toxicológicos e dinâmica ambiental ainda é muito pouco compreendida e portanto, não há ainda uma legislação que regulamente sua liberação e que defina limites seguros ao meio-ambiental e à nossa utilização.
Um destes compostos é o bisfenol A (BPA, do inglês BisPhenol A), uma das matérias-primas utilizadas, desde a década de 1960 para produção de plásticos policarbonatos, que são plásticos bastante translúcidos e resistentes, por exemplo garrafas de água e refrigerante, CDs e DVDs, brinquedos, partes automotivas e de informática e estão presentes também nas resinas epóxi, muito utilizadas no revestimento interno de latas e embalagens de comida e bebidas, contribuindo na preservação do alimento. Apesar desta importante utilidade e praticidade, o BPA é também um disjuntor endócrino, sua estrutura química que é capaz de se ligar a receptores humanos de estrógeno e interferir na forma com que os hormônios atuam no nosso corpo. De fato, em estudos com animais de laboratório, a exposição ao BPA foi relacionada ao aumento da ansiedade, agressividade, dificuldade de aprendizagem e de relacionamento social. Além disso, trabalhos em seres humanos, tem demostrado claramente que o BPA pode causar alterações neuro-comportamentais como déficit de atenção e autismo e também pode estar relacionado ao aumento na incidência de diferentes tipos de câncer.
Seu impacto no meio-ambiente também pode ser igualmente preocupante. Uma vez que o BPA pode ser encontrado em quase todos os ambientes aquáticos da terra, fruto do excesso de lixo que produzimos e pela ineficiência de nossas estações de tratamento de esgoto em remover este contaminante emergente, os organismos aquáticos estão sob constante exposição a grandes quantidades de BPA. Por exemplo, esta exposição tem sido associada a redução da densidade de espermas, inibição do crescimento de gônadas, indução de mortalidade e deformações embrionárias em peixes, supressão de metamorfose em girinos e mudança sexual em répteis. Deste modo, é muito importante que leis mais eficazes sejam estabelecidas para garantir a nossa saúde e a do meio-ambiente.
A principal forma de intoxicação por BPA em seres humanos se dá pela ingestão de comida e bebida contaminadas. Por exemplo em uma garrafa de água, o BPA vai se soltando ao longo do tempo e se acumulando na água a uma taxa de 0,20 a 0,79 ng/h (nanogramas por hora) quando à temperatura ambiente. Contudo, o aquecimento destes recipientes de policarbonatos ou contendo resina epóxi aumenta significativamente a liberação de BPA, que ocorre ~55 vezes mais rápida, podendo atingir níveis tóxicos para nós, seres humanos. E não estamos falando de temperaturas altíssimas, estamos falando de temperaturas que são alcançadas em um carro estacionado na rua sob o sol em um dia de verão, ou no interior de um caminhão que transporta garrafas de água ou refrigerante da fábrica ao supermercado, ou mesmo quando utilizamos um recipiente plástico para esquentar nosso delicioso almoço em um micro-ondas ou em banho maria em casa. Desta forma, nossa intoxicação por BPA é muito mais comum que imaginamos! Em um estudo realizado pelo CDC (Center for Disease Control, o centro norte americano para controle de doenças), identificou BPA na urina de quase todas as pessoas analisadas durante estudo nos Estados Unidos. Além disso, estava presente também no líquido amniótico e no leite de algumas das mães analisadas! Isso é muito sério, pois estudos recentes em camundongos tem revelado que além de comprometer a formação das conexões nervosas no cérebro, estes efeitos podem ser transgeracionais! Ou seja, ele pode ser sentido ao longo das gerações. Fazendo uma analogia, isso significa que mesmo que você e seus pais nunca tenham sido expostos ao BPA, se sua avó foi, enquanto estava grávida, todos os seus descendentes poderão apresentar os sintomas de malformação cerebral!
Felizmente, seguindo exemplo da União Europeia, Canadá e Estados Unidos, em 2012, a ANVISA revogou a autorização de uso de BPA em mamadeiras e embalagens de leite e fórmulas para bebês. O que é ótimo, pois preserva a saúde das crianças, que são de fato mais sensíveis que adultos, diminuindo, ainda, a quantidade de lixo produzida, significando menos BPA no ambiente. Mas… Eu fico pensando, não sei se vocês vão concordar. Como que nós, adultos, ficamos nesta estória? De certo modo, precisamos estar vivos e com saúde para cuidar das crianças, certo? Por quê será que não seguimos o exemplo da França, que desde 2015 baniu a utilização de BPA em qualquer utensílio destinado ao acondicionamento de alimentos ou bebidas para consumo humano? O que nós podemos fazer para nos proteger? 1Evitar ao máximo comprar e utilizar produtos em recipientes plásticos e enlatados, isso vai reduzir sua exposição ao BPA e de quebra vai gerar menos lixo (e BPA) para o ambiente; 2temos que investir no desenvolvimento de novas tecnologias mais eficientes na remoção do BPA (e de outros contaminantes emergentes) para serem implantadas nas estações de tratamento de água e esgoto; 3precisamos investir mais em pesquisas quanto a toxicidade e dinâmica de contaminantes ambientais para termos bases claras para estabelecimento de novas leis regulatórias que definam, de forma acurada os limites seguros ao homem e ao ambiente.
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