por Luana Carvalho, Thaís Pezenti, Luiza Guimarães, Nathália Ribeiro e André Guaraldo
Integrantes do Grupo de Estudos em Zoologia da UFJF (GEZ-UFJF)
No final de dezembro de 2019 foi identificado em Wuhan, na China, os primeiros casos de um novo coronavírus denominado Sars-coV-2, causador da doença hoje conhecida como Covid-19 (Coronavirus Disease - 19). Embora seja um momento complexo, não é a primeira vez que vírus provenientes de animais silvestres sofrem mutações e passam a ser patogênicos para outros animais que não aqueles com os quais evoluíram por muitas gerações. É assim, após uma mutação, que o novo coronavírus conseguiu infectar o ser humano. Exemplos como esse são o HIV, causador da AIDS, e até mesmo outros tipos de coronavírus como o Sars-coV e o Mers-coV, agentes etiológicos da Síndrome Respiratória Aguda Grave (2002) e Síndrome Respiratória do Oriente Médio (2012), respectivamente. Mas… como é possível que isso aconteça?
A atual pandemia aparentemente surgiu em ‘mercados úmidos’ (Figura 1), locais onde animais, selvagens e domesticados, destinados ao consumo humano, são encontrados vivos, presos em gaiolas, para serem escolhidos e mortos na hora da compra. Essas “mercadorias” podem ser oriundas de criadouros credenciados, onde espera-se que sejam submetidos a medidas sanitárias eficientes, mas também procedentes da caça legal ou ilegal. Por conta das más condições de higiene e confinamento de várias espécies juntas, há maiores chances de que doenças passem entre os animais selvagens caçados para os demais outros, incluindo o ser humano que manipula, consome, ou simplesmente tem contato com gotículas (p.ex. sangue e saliva) desses animais.
![Fonte: https://www.mdig.com.br/index.php?itemid=48902](https://static.wixstatic.com/media/a0e801_39731875af174d23976b6b808fdcfb3c~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_551,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/a0e801_39731875af174d23976b6b808fdcfb3c~mv2.jpg)
Assim aconteceu com o novo coronavírus. A linhagem específica desse vírus aparentemente já estava presente ao longo de muitas gerações em morcegos, mas devido a adaptações evolutivas a doença causada neles tem sintomas leves e é pouco letal, assim como um resfriado em muitos humanos (mas vale lembrar que resfriados dizimaram populações nativas no período da colonização da América do Sul por europeus). Dessa forma, os morcegos se tornaram animais reservatórios, ou seja, locais para multiplicação e/ou crescimento do agente infeccioso, no caso o vírus. Por sua vez, suspeita-se que o Pangolim (Figura 2), um mamífero da ordem Pholidota que vive em zonas tropicais da Ásia e da África, também atue como hospedeiro da nova linhagem do coronavírus, tendo sido uma ponte entre morcegos e seres humanos. O modo de transmissão da doença dos pangolins para os humanos ainda não foi elucidado, mas as chances maiores de infecção são logo após o abate, visto que partes do animal, como vísceras e sangue, podem entrar em contato com as mucosas dos humanos, através do toque das mãos nos olhos, na boca ou no nariz, fazendo com que o vírus entre no corpo. Após esse contágio inicial, o vírus é facilmente transmitido a outras pessoas, tanto localmente quanto mundialmente, devido a intensa globalização nos tempos atuais.
![Fonte: BBB news](https://static.wixstatic.com/media/a0e801_a6b0f2f4cdca440988691e862361f9df~mv2.jpg/v1/fill/w_800,h_525,al_c,q_85,enc_auto/a0e801_a6b0f2f4cdca440988691e862361f9df~mv2.jpg)
Outro fator importante a ser considerado sobre a contaminação de seres humanos com doenças provenientes de animais selvagens é a degradação ambiental. A destruição de ecossistemas naturais e a sua invasão por populações humanas fazem com que esses seres vivos se aproximem cada vez mais do ambiente urbano, e consequentemente, das pessoas. Paralelamente, a perturbação ecológica provoca danos fisiológicos ao organismo dos animais, como o estresse, que são capazes de diminuir a eficiência imune e aumentar a capacidade de infecção e excreção dessa pelo corpo. Assim, como cientistas vêm sugerindo, a intensificação da degradação do hábitat pode ocasionar a diversificação e surgimento de novas doenças. No cenário atual em que os desmatamentos são cada vez mais intensos, também há grandes chances de que novos vírus e epidemias se tornem mais frequentes.
De acordo com Doreen Robinson, chefe de Vida Selvagem no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) o combate ao surgimento de novas zoonoses começa com o entendimento sobre as ameaças ecossistêmicas, sendo imprescindível a redução de impactos humanos sobre a natureza.
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Literatura consultada
A review of studies on animal reservoirs of the SARS coronavirus Zhengli Shi, Zhihong Hu
Probable Pangolin Origin of SARS-CoV-2 Associated with the COVID-19 Outbreak
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