por Gabrielle R. Quadra
Doutoranda em Biodiversidade e Conservação da Natureza - Universidade Federal de Juiz de Fora
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Acredito que não seja necessário relembrar de que a água é fundamental para manutenção da vida. Apesar disto, a degradação dos recursos hídricos é um problema global. Os ecossistemas aquáticos são como “lixões” em muitas regiões, recebendo os nossos resíduos sem, muitas vezes, passar por estações de tratamento de esgoto. Esta atitude é contraditória, pois utilizamos esta mesma água para uso público, para pesca e às vezes até mesmo para consumo. Apesar da existência das estações de tratamento de água, muitos contaminantes permanecem após o tratamento. Além disso, seria muita ingenuidade pensar que todas as pessoas têm acesso a água potável.
Mas não para por aí... como se não bastasse jogarmos os nossos resíduos domésticos e industriais nos recursos hídricos, outros resíduos podem acabar parando nos rios, como nos casos dos resíduos de mineração. Os grandes rios geralmente estão em áreas onde a topografia é mais baixa, o que significa que tudo que está mais alto escoa para estes locais. Acredito que muitos já conhecem estas histórias, mas não podemos deixar de falar e permitir que o Brasil regresse em termos de proteção ambiental.
O primeiro: Mariana
No dia 5 de novembro de 2015, ficou registrado um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil. A Barragem do Fundão, construída para segurar os rejeitos de uma mineração de ferro operada pela Samarco, rompeu-se em Mariana, cidade no estado de Minas Gerais. Mais de 60 milhões de metros cúbicos de resíduos foram lançados no Rio Doce, carregando consigo elementos químicos até a costa brasileira, mais de 600 quilômetros foram percorridos. Podemos dizer que a lama arrastou vidas, tanto no sentido direto, pois pessoas e diversos outros animais morreram, como no sentido indireto, pois vidas dependiam e dependem das águas.
Desde o ocorrido até 2018 – 3 anos após o acidente – a turbidez continuava acima dos padrões recomendados para a qualidade da água em alguns pontos amostrais no rio, especialmente durante o período chuvoso, como foi mostrado pelo monitoramento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas [1]. Durante os períodos de chuva, é comum que a turbidez aumente nos corpos hídricos, já que as chuvas trazem material de toda a bacia de drenagem. Porém, a lama do acidente foi sedimentada no fundo do rio e a alta turbulência gerada pelas chuvas pode fazer com que o material volte a suspensão. Portanto, a turbidez continua sendo um parâmetro de extrema relevância quando se trata da qualidade da água do Rio Doce. Entretanto, não está isolado. Além da turbidez, a lama apresenta elementos químicos em concentrações que podem ser perigosas. Em relação aos elementos químicos, observando os valores históricos levantados pelo mesmo relatório, é possível observar que as concentrações de alguns elementos aumentaram logo após o acidente, como é o caso do manganês.
Nosso grupo realizou um estudo com amostras coletadas no Rio Doce dez dias após o acidente [2]. Além da quantificação dos elementos químicos, nós também fizemos testes ecotoxicológicos com sementes de cebola, onde são avaliadas alterações genéticas em células em divisão celular. Estes tipos de testes são importantes, pois estas alterações podem não levar a morte do organismo diretamente, mas podem ser passadas de geração a geração e causar um desequilíbrio ecológico a longo prazo. Nós observamos que as concentrações dos elementos químicos, principalmente ferro, alumínio e manganês, assim como os efeitos ecotoxicológicos persistiram por quilômetros abaixo do local do acidente, indicando que estes efeitos continuaram ao longo do rio e que os impactos causados não foram somente locais. Além destes efeitos ao longo alcance, a lama foi para o fundo e, dependendo das condições ambientais, pode voltar a suspensão na coluna d’água, como é observado com o aumento de turbidez do Rio Doce nos períodos chuvosos. Dessa forma, os elementos associados ao material em suspensão podem também voltar a causar danos para os organismos na coluna d’água. Portanto, além de impactos ao longo alcance, os impactos do rompimento da barragem são de longa duração.
E veio um segundo: Brumadinho
Como se não bastasse o caso de Mariana, tivemos uma repetição. O título da reportagem do Greenpeace não poderia ser melhor: “A lição não aprendida” [3]. Não era esperado que outro caso como o de Mariana ocorresse, mas com somente 3 anos aconteceu. Outra barragem, da mesma mineradora, rompeu-se no dia 25 de janeiro de 2019. A barragem Córrego do Feijão, em Brumadinho, também em Minas Gerais, liberou 13 milhões de metros cúbicos no ambiente. Novamente, muitas pessoas morreram e perderam tudo. E toda a problemática ambiental também se repete. Em relação a água, mais de 300 km do Rio Paraopeba ficaram com a água imprópria para uso humano, assim como para qualquer vida que existia ali. Novamente, altos valores de turbidez e elementos químicos foram detectados, como consta no relatório realizado pela SOS Mata Atlântica [4].
Possível terceiro?
Agora, depois de um segundo rompimento, a empresa promete encerrar barragens de resíduos que foram construídas pelo mesmo método das duas barragens que se romperam, que é conhecido como método a montante, segundo notícia do G1 [5]. Este método é o mais barato e menos seguro. A Agência Nacional das Águas demonstrou que outras barragens também apresentam falhas em suas estruturas, segundo notícia na mesma mídia. É um grande absurdo esperarmos desastres de tamanha proporção acontecerem para começarmos a verificar tais problemas. Se as nossas leis ambientais são tão boas e o Brasil é o país que mais protege o meio ambiente, segundo o nosso atual governo, como isso pode acontecer? Tais barragens não podem e não devem ser aprovadas! Não é necessário esperar que mais vidas se percam e mais rios sejam completamente devastados para tomar devidas providências. Como já dito pelos pesquisadores da Sociedade Química Brasileira, infelizmente, não há nada que possa ser feito para reparar as perdas destas famílias [6]. Repito a fala dos autores e acredito que ela possa ser falada em nome de toda a população brasileira: nós esperamos que nenhum novo rompimento ocorra. Não devemos e não podemos deixar de falar destes acontecimentos, assim, talvez, a gente consiga chamar a atenção e demonstrar que é necessário maior prevenção em termos de resíduos no ambiente e proteção dos recursos naturais.
Referências:
1- Instituto Mineiro de Gestão das Águas: http://www.igam.mg.gov.br/component/content/article/16/1632-monitoramento-daqualidade-das-aguas-superficiais-do-rio-doce-no-estado-de-minas-gerais
2- Pesquisa no Rio Doce:
3- Greenpeace: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/rio-doce-a-licao-nao-aprendida/.
4- SOS Mata Atlântica:
5- Notícias G1:
6- O apelo dos pesquisadores:
Glossário:
Turbidez: É a medição da resistência da água à passagem de luz. É provocada pela presença de partículas flutuando na água.
Ecotoxicologia: ciência que estuda a causa e o efeito de substâncias nos organismos, populações, comunidades e no ecossistema. Essa ciência acontece por meio da realização de testes ecotoxicológicos de modo a entender esses efeitos tanto no laboratório, quanto no ambiente natural.
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