por Thiago da Silva Novato Mestre em Biodiversidade e Conservação da Natureza - Universidade Federal de Juiz de Fora
O ano de 2020 é de longe o mais atípico do século XXI. A nova pandemia provocada pela infecção viral SARS-CoV-2 (Corona vírus) modificou completamente a organização de nossa sociedade, impondo uma série de medidas preventivas a fim de diminuir a propagação e contaminação da doença nas pessoas. Apesar de ser evidente que a pandemia tenha causado um déficit considerável na economia mundial, aumentando as desigualdades sociais e destacado a fragilidade do sistema de saúde, um questionamento ainda paira sobre a cabeça de pesquisadores e da população: Qual seria a real origem do vírus? Por que vírus antes erradicados (Ebola, H1N1) estão voltando à tona e aumentando drasticamente a taxa de mortalidade das pessoas?
Recentemente, uma das teorias que tem ganhado destaque na comunidade científica relaciona o sistema alimentar vigente gerenciado pelo Agronegócio com o surgimento de novas doenças em nível global. Atualmente, no Brasil e em outros países de clima tropical, os monocultivos de soja, milho, trigo e arroz ocupam quase 80% das terras cultivadas e destinadas para a “agricultura”. Para sustentar uma produção contínua desses grãos que infelizmente homogeneízam nosso território, sementes modificadas geneticamente, o uso massivo de agrotóxicos e uma série de fertilizantes químicos para suprir a carência nutricional do solo são utilizados para garantir o crescimento e produção desses grãos.
Uma vez exportados em forma de ração, esses produtos transgênicos e com altas concentrações de agrotóxicos cancerígenos são direcionados para a alimentação em massa de animais confinados para produção de carne (“feedlots”) que, por sua vez, vivem sob condições de extrema precariedade. Como milhares de aves e porcos por exemplo apresentam um alto grau de agrupamento, ficam em contato direto com fezes e dejetos que detém uma série de patógenos. Adicionalmente, constantemente recebem hormônios de crescimento para acelerar a produção e suprir a demanda do consumo mundial. Dessa forma, tais animais se tornam rapidamente imunodeprimidos, ou seja, suscetíveis a adquirir e transmitir doenças virais e bacterianas. Toda essa conjuntura contribui fatalmente para o aumento na probabilidade da ocorrência de mutações de vírus e bactérias que vivem nesses animais (como o corona vírus), que em contato com o sistema imunológico dos seres humanos, podem desencadear novas doenças. Isso porque vírus são organismos que trocam e incorporam material genético de outros seres vivos, principalmente quando encontram as condições supracitadas anteriormente que facilitam esse processo.
Infelizmente não para por aí. A alimentação humana atualmente encontra-se altamente calórica e pobre de nutrientes. Estima-se inclusive que cerca de 2 bilhões de pessoas sofrem com a chamada fome oculta, expressão designada pela adoção de uma dieta baseada nessas condições. Consequentemente, o aumento no número de pessoas com doenças crônicas aumenta mais a cada dia, e estas também se encontram em condições que facilitam a infecção de novas cepas virais e bacterianas. Não é por coincidência que pacientes do grupo de risco do atual COVID-19 apresentam obesidade, diabetes, pressão alta e outras patologias, doenças que são oriundas por uma má alimentação favorecida pela indústria alimentícia.
Essas afirmações devem ser levadas em consideração, visto o aumento no número de surtos epidêmicos virais ainda nos primeiros 20 anos do século XXI, como a gripe aviária (2003) e um novo surto de gripe suína (2009). Todos acompanham um ritmo de crescimento das práticas do Agronegócio no Brasil e no mundo, no consumo de carne e no aumento de doenças crônicas na população. O Agronegócio também pode estar sendo responsável pelos surtos de dengue e febre amarela ressurgentes no Brasil nos últimos anos, principalmente devido ao desmatamento em massa das florestas tropicais para expansão da fronteira agrícola e pecuarista, que fragmentam nossos hábitats e possibilitam a propagação de vetores como o mosquito Aedes aegypti que também transmite Zika vírus e Chikungunya.
É preciso mais do que nunca repensarmos nossos modelos de vida, de alimentação e sobretudo do consumo de carne. Fica bem claro que, mais uma vez, o Agronegócio tem se mostrado uma prática econômica que rema contra a correnteza da vida e da natureza. Suas implicações negativas ambientais, sociais e de saúde pública precisam ser denunciadas e novos modelos econômicos precisam ser adotados com o objetivo de romper com esses laços tão perniciosos. Como comentado em posts anteriores aqui na página, a Agroecologia tem sido uma via alternativa que respeita as condições socioambientais e valoriza uma nova forma de ser e estar no meio que vivemos, pautando na soberania alimentar (direito de escolha do nosso próprio sistema alimentar) e a segurança alimentar (direito de acesso a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente para sobrevivência). Enquanto medidas efetivas não começarem a ser tomadas para ressignificar as relações de consumo, economia e ambiente, continuaremos em breve constatando novas pandemias.
Referências utilizadas:
Meek D (2014) Agroecology and Radical Grassroots Movement’s Evolving Moral Economies. Environment and Society 5(1):47-67
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